segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Retratos de Deus

Tirar fotografias é algo muito interessante e que particularmente gosto muito. Não sou não das antigas, mas lembro com nostalgia dos tempos das máquinas que tinham os filmes com quantidade de fotos e que entre uma foto e outra tínhamos que girar um dispositivo para preparar o filme para a próxima posição. Cada dia mais a fotografia têm sido utilizada e as tecnologias vêm avançando rapidamente já sendo possível tirar fotografias com o áudio do momento. E o desejo de todos é publicar nas redes sociais seus recortes da realidade impressa no retrato.
A característica básica do retrato é ser um recorte. Uma pausa no tempo daquela realidade vivida ou presenciada de forma a ser eternizada em uma imagem. Logicamente um retrato não consegue traduzir tudo o que está naquela realidade histórica, nem muito menos ser completamente fiel com a verdade do que está acontecendo em ao vivo. A fotografia é também um ponto de vista escolhido pelo fotografo que seleciona o que quer ressaltar daquele instante vivido. É uma perspectiva.
Albert Einstein é um homem famoso e notório da história da humanidade. A partir deste famoso retrato (1951 - fotógrafo Arthur Sasse) poderíamos dizer que ele é uma pessoa extrovertida, alegre, descontraída, afinal, é isto que a imagem nos transmite. Mas não podemos a partir desta imagem, fazer uma leitura total e íntegra da personalidade de Einstein. Não sabemos os pormenores deste momento e desta pose, dada, provavelmente não natural, ao fotógrafo.
Vemos isto acontecer com muita frequência nas imagens, nos retratos de Deus relatados na Bíblia. A cada autor, ou a cada espaço de tempo, de cultura e de realidade histórica dos autores bíblicos, um retrato de Deus é formado e com este as impressões do autor sobre Deus são dadas e descritas. Logicamente não temos nos relatos bíblicos imagens como a do exemplo dado, as imagens são dadas na escrita e no decorrer da história bíblica. A grande dificuldade é o não entendimento desta possibilidade e a comum prática de se escolher um ou outro retrato deste Deus, a partir da perspectiva de algum autor e ditá-la como exclusiva e perfeita leitura de Deus. Devendo ser aplicada, seguida e organizada dentro dos ritos religiosos para melhor acesso e benevolência a Deus, já que o conhecemos, sabemos como lidar com Ele.
É bem possível que no início da Bíblia, nos tempos da criação, o retrato que os israelitas fizeram para descrever Deus, foi pautada na imagem dos faraós egípcios, imperadores da Assíria e Babilônia. Homens cruéis, reis absolutistas que detinham todo o poder de vida e morte, criar ou abolir leis. Deuses que mandavam matar apenas por não gostar de alguma apresentação feita a eles, ou simplesmente a não devoção.
Em continuidade, nas histórias de Noé e do Dilúvio as impressões de Deus estão ligadas às suas reações com relação à perversidade do povo. Sua ira não seria manifesta por falta de adoração e relacionamento, mas sim pela maldade, impiedade e perversidade do homem. Aquele Deus reagia com ira e poder mortífero à impiedade humana.
Nos contos sapienciais de Jó e partes dos salmos. Aparece um Deus retribuicionista. Seu humor, suas ações poderiam ser previstas a partir da prática humana. Sua ira sempre era resultado das ações pecaminosas, em contrapartida, sua benevolência ao ser humano era a congratulação por um ser piedoso, íntegro e correto.
Em meio a tudo isso, os profetas apregoam um Deus que julga mais importante à fidelidade a ele, manifesta em ações generosas aos pobres e desassistidos. Os sacrifícios no altar, os ritos cúlticos e até o mero cumprimento da lei não era tão importante, quanto o cuidado e atenção aos que necessitam e são oprimidos.
Mas esta imagem muito presente em Oséias, Zacarias e outras não conseguiu subjugar a primeira imagem do Deus que não deixa impune o pecador, mas exalta o justo. Este retrato formou a cultura israelita e perdurou por muito tempo, tendo seu colapso nos tempos pós-exílicos. Afinal, o povo de Israel já havia pagado seu pecado com os exílios. Esdras já havia convocado seu povo a uma santificação e uma reforma religiosa profunda, mas, as benesses divinas não vieram. O povo foi espalhado, obrigado a se misturar a cultura grega que chegara com força, homogeneizando cada vez mais o mundo antigo e trazendo outra forma de exílio aos que se firmaram como remanescentes fiéis à doutrina israelita, sua língua, seu templo, sua lei.
A última imagem é exposta no texto bíblico como expressão exata de Deus. Em suas próprias palavras ele afirma que só faz o que pai o enviou a fazer, e que todos que o vissem estavam vendo a Deus. Este é Jesus. O auto-retrato de Deus à humanidade. Este que se interessa por nós, entregou sua vida por amor à humanidade, vivendo e dando-nos o padrão de humanidade a ser seguido, ao mesmo tempo em que revelada o caráter de Deus. Este mostrou que o verdadeiro culto não é expresso em um determinado lugar, ou com determinada roupa, classe, prática, pose ou nada do gênero, mas sim, algo feito do espírito interno do homem e com a lealdade que este exige.
Este auto-retrato nos revela grandes e maravilhosas coisas de Deus. O grande problema é que ele vem ao encontro de muitos daqueles retratos anteriores de Deus. Retratos que já estavam consolidados na mente, no coração e na tradição dos homens. Muitos não quiseram ver este retrato, mas preferiram ficar com os anteriores: perspectivas humanas e formadas por contextos socioculturais e religiosos também. Ainda hoje, muitos assim o fazem. É preciso entender as dificuldades de termos um texto formado por diversas culturas, tradições e contextos sociais e religiosos. Cada um com seu modo de ver, entender e se relacionar com Deus. Mas que devem todos estes passar pelo crivo da vida e obra de Cristo, para que possam se sustentar como pauta: autêntica e merecedora de crença e prática para relacionamento com nosso Deus.

É preciso cuidado, as imagens nos tentam a uma idolatria disfarçada e podem nos encaminhar em caminhos que não levam a Deus, mas sim, ao próprio homem, seus desejos, suas carências e seus bezerros de ouro.

Naquele que nos Um,
Joaze Lima, Pr. 

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